domingo, 8 de novembro de 2009

Grande achado!

Artigo publicado na Cruz de Malta, em setembro de 1957 sobre a inauguração do primeiro trabalho da Igreja Metodista em Brasília - colaboração de Marlene Faria






OS FILHOS DE WESLEY EM BRASÍLIA

Escreveu: Duncan Alexander Reily

A história heróica e visionária de um bispo, um povo unido e uma capela-escola na nova capital


"TUA É, Ó SENHOR, a grandeza, e o poder, e a glória e a vitória, e a majestade, porque tudo que há no céu e na terra é teu. Tudo vem de ti, ó Senhor, e do que é teu to damos". Assim em uníssono falou a congregação no término do culto de inauguração e consagração da Escola Metodista em Brasília, que é também sua Capela temporária. Após a invocação da Benção Apostólica pelo revmo Bispo Isaías Fernandes Sucasas, só faltaram as calorosas despedidas, e os componentes das caravanas de metodistas vindas de Anápolis e Goiânia subiram nos caminhões para encetar a longa viagem de volta. Não foi com pouca emoção nesta data memorável de 7 de julho que presenciei esta cena comovente, que foi o "clímax" duma série de eventos que tiveram início em fevereiro deste ano. Nos aludidos acontecimentos, muitos metodistas colaboraram, para transformar um sonho em uma realidade palpável.

Quando cheguei ao Brasil em 1948, já se falava no futuro Distrito Federal em Goiás, lugar mais central que haveria de apressar o desenvolvimento do tremendo interior do país. Naquele tempo, porém, pouco entusiasmo existia em torno do assunto. No atual governo, no entanto, vê-se um esforço ingente para efetuar a mudança da capital. O presidente da nação faz frequentes visitas a Brasília, e sua simpatia e espírito democrático fazem-no amado pela população do lugar. Apesar das dúvidas que muitos ainda nutrem, o "vai ou não vai" do negócio, o metodismo viu a necessidade de fazer a sua parte no sentido educacional e evangelístico e resolveu hastear sua bandeira na Nova Capital.

O PRIMEIRO PASSO neste sentido se deu quando conseguimos, por intermédio do dr. Luiz Milazzo, Secretário de Agricultura, Comércio e Indústria do Estado de Goiás e do dr. Rui Ramos, ex-deputado federal, um excelente terreno medindo 8.000 metros quadrados, apenas a um quarteirão da rua principal do "Núcleo Bandeirantes", como se denomina o centro provisório da Nova Capital. Mas havia a exigência de construir dentro de 60 dias, uma escola nesse terreno. Quem iria fazer a construção e com que dinheiro? Na reunião ordinária da Junta Geral de Missões e Evangelização, o Bispo Isaías F. Sucasas, membro da Junta, ofereceu-se para ir até Brasília e ficar o tempo necessário para lançar bases firmes para a obra metodista. O obstáculo financeiro foi superado quando a Junta de Ecônomos da Igreja Metodista Central emprestou Cr$ 200.000,00 para iniciar a obra.

Chegando a Brasília, o Bispo precisou enfrentar a inevitável demora da burocracia local, mas, mesmo assim não perdeu tempo. Ia quase que diariamente do Núcleo Bandeirante até o "quartel general" do planejamento e das obras da Nova Capital, conhecido como "Novacap", para conseguir a medição do terreno e a aprovação da planta do prédio escolar, um "passeio" duns bons quilômetros. Escreve o Bispo Isaías da experiência: "Enquanto esperava para tratar dos interesses de nossa Igreja junto aos responsáveis e autoridades da Nova Capital, aproveitava o meu tempo em trabalho de catequese de casa em casa, de indivíduo a indivíduo. Assim pude travar relações com todos os negociantes, hoteleiros, donos de bar, padaria, farmácia, bancos, etc. Qual não foi minha surpresa descobrindo através desse trabalho, batistas, presbiterianos, pentecostais e metodistas! Verdadeira invasão dos evangélicos na cidade livre!..."

Antes de construir, o Bispo Isaías conseguiu realizar um culto, histórico ato de adoração, no dia 30 de abril, às 18 horas, no terreno dum leigo metodista, o sr. Nivaldo Barbosa. No dia 5 de maio no barraco que ele havia construído para sua moradia temporária (pequena casa de tábuas medindo 32,80 metros), com a presença de 20 pessoas, organizou a primeira Escola Dominical metodista. Portanto, antes da primeira missa católica, o metodismo já estava funcionando em Brasília. Abrindo um parêntesis, devo dizer que tive ocasião de assistir quando em Brasília a uma missa católica, a qual se realizou numa barraca coberta de lona, pois os católicos não possuem ainda capela Curiosamente, o padre deu pouca ênfase à elevação da hóstia com a sua transubstanciação. Cantaram-se vários hinos, alguns dos quais poderiam ter sido cantados num culto evangélico.

SABENDO que o nosso prédio escolar-capela seria inaugurado no dia 7 de julho, tratei de viajar para Brasília, chegando ao crepúsculo do dia 5. Cheguei ao lindo aeroporto de Brasília, cuja pista é uma das melhores do interior do Brasil, sem saber como iria descobrir o Bispo Isaías. Mas no micro-ônibus que leva os passageiros até a cidade (creio que há um único taxi em Brasília), conversava com o senhor que estava ao meu lado, dizendo-lhe do motivo da minha visita até a Nova Capital. Atrás havia vários médicos que vinham de diversos lugares de Minas e Goiás para um Congresso de Médicos; entre estes estava o dr. Isac Ribeiro, o encarregado do trabalho batista do Núcleo Bandeirantes. O dr. Isac me mostrou o lugar onde deveria saltar; no ponto me esperava a da. Jacira Sucasas, esposa do bispo e a miss Rosalie S. Brown, professora do Instituto Metodista, em São Paulo. O Bispo Isaías havia reservado uma cama para mim no Hotel Dom Pedro II, que, como logo descobri, tinha luz elétrica só durante a hora do jantar (quando funcionava) e água corrente só de vez em quando, pois o poço estava quase seco. Apesar dessas dificuldades normais duma cidade nascente, descobrimos que a alimentação era suculenta e farta. (Miss Brown não conseguiu lugar no hotel pois havia lugares só para homens; ela dormiu num colchão emprestado, colocado em cima de bancos na escola).

Conhecemos mais ou menos bem a cidade, que cresce assustadoramente. Pessoas de todas as partes do Brasil estão lá, muitas morando em tendas ou barracas de sapé ou palha, enquanto não arranjam melhor abrigo. Há muitos pequenos hotéis, todos superlotados, além de numerosos restaurantes, cafés e bares. Cinco bancos já funcionam, bem como uma companhia de seguros. O comércio cresce e algumas pequenas indústrias se montam. Quase todas as casas são de madeira. Cimento, tijolos e outros materiais de construção são caríssimos e difíceis de serem obtidos. Sábado de manhã fomos até a Novacap onde distribuímos folhetos e convites. Estivemos lá na hora em que o restaurante do SAPS estava servindo almoço, e entregamos convites aos operários na fila. Fomos informados de que o referido restaurante serve umas 2.000 refeições diárias. Neste dia, o Congresso de Médicos acima-mencionado estava reunido em Novacap, onde um engenheiro chefe explicava-lhes os planos das construções da Nova Capital. Pudemos entrar e assistir a sua palestra. A da. Jacira aproveitou o ensejo para fazer chegar às mãos do presidente Juscelino Kubistchek um convite para a inauguração da Escola Metodista. Diversos médicos também solicitaram convites.

NATURALMENTE, a nossa maior emoção se deu no dia 7 de julho, o dia da inauguração. Duas caravanas metodistas, de Anápolis e de Goiânia, vieram para abrilhantar a festa. Muitos dos caravanistas eram figuras do coral que, sob a regência do rev. José Cabral, pastor e S.D., emprestaram um "que" de arte e beleza à cerimônia de inauguração. Mas como hospedar um grupo deste tamanho? Onde dormiriam? O que e como comeriam? Estes obstáculos foram vencidos no espírito de amor cristão. Alguns dormiram no chão ou em colchões no prédio escolar; outros em casas de crentes amigos. Mas sem panelas e nem pratos e talheres, como preparar e servir um almoço pra uma multidão de metodistas com fome? solucionou-se o problema do modo gaúcho - fez-se um grande churrasco e cozinharam-se uns dez quilos de batata para salada, sobre um fogo aberto. Assim, muitos que nunca haviam provado churrasco à gaúcha tiveram esta oportunidade.

De manhã realizou-se uma singela cerimônia cívica quando, pela primeira vez, foi hasteado o pavilhão brasileiro no terreno da Escola Metodista. Depois, às quinze horas, o nosso salão não comportou as pessoas que vieram assistir às solenidades de inauguração da escola, cujo programa foi impresso na primeira gráfica de Brasília. Como herdeiros de Carlos Wesley, é natural que a música tenha recebido um lugar relevante, desde o cântico do Hino Nacional pela congregação e a execução de diversos hinos pelo conjunto coral sob a regência do rev. José Cabral, até o cântico dum hino escrito pelo Bispo Isaías F. Sucasas especialmente para a Escola Metodista de Brasília. A mensagem oficial, trazida pelo dr. Luiz Milazzo, Secretário da Agricultura, Comércio e Indústria do Est. de Goiás, fazendo uma feliz comparação entre a visão de Jacó em Betel (Casa de Deus) e o edifício que se consagrava como Casa de Ensino-Casa de Deus, interpretou com felicidade o significado da ocasião. Além das autoridades metodistas presentes, como o Bispo Isaías,o rev. José Cabral, S.D. e da. Jacira Sucasas, presidente da Federação das Senhoras da terceira Região, também vários oficiais civis estiveram presente ou fizeram-se representar. Entre eles, naturalmente, o já mencionado dr. Luiz Milazzo, o qual trouxe também a saudação do governador do Estado. Salientamos ainda a presença da esposas do dr. Sayão, vice-governador do Estado de Goiás e chefe das obras em Brasília. Irmãos das denominações irmãs, batista e presbiteriana, saudaram efusivamente aos metodistas. Mais importante ainda - quanto ao funcionamento da obra - devemos mencionar que o jovem Rubem Rodrigues Dantas, nosso professor-evangelista, foi apresentado e usou da palavra. Uma outra parte interessante do programa foi a exposição de presentes à Igreja e Escola. Eles incluíram um lampeão "Petromax" doado pelas senhoras da 3a Região; uma linda Bíblia de púlpito e aparelho da Santa Ceia doados pela Imprensa Metodista; material escolar doado pela da. Jacira Sucasas e diversos livros para a biblioteca da escola oferecidos por miss Rosalie Brown.

TENHO ME IMPRESSIONADO como os metodistas por toda a parte estão espontaneamente unindo forças para que a obra em Brasília tenha pleno êxito. Já tivemos oportunidade de apreciar a valiosa contribuição dos drs. Luiz Milazzo e Rui Ramos quanto ao terreno; do destemido trabalho pioneiro do Bispo Isaías Sucasas, que transformou uma barraquinha de 3 X 2,80 em "palácio episcopal", dali dirigindo a obra da construção bem como a obra inicial de evangelização. Já notamos a colaboração material da Igreja Central de São Paulo, cujo empréstimo possibilitou o início deste trabalho e cuja contribuição generosa de CR$ 150.000,00 está facilitando a sua concretização. Tivemos o ensejo de mencionar as dadivas de aparelhagem e equipamento doado por amigos e ainda o fato que um jovem se apresentou como professor-evangelista. (Outros também têm-se oferecido.) Mais uma vez o nome da "Central" merece nossa menção, pois é ela quem vai sustentar o professor.

Mas todos sabem que um começo não é suficiente; importa que mantenhamos a obra condignamente. Sem apelo especial, as igrejas e entidades metodistas vêm contribuindo. Por exemplo, o Concílio Distrital do Distrito da Penha, Terceira Região, fez uma oferta especial em prol da obra;outros fizeram o mesmo. O Distrito de Rudge Ramos, também da Terceira Região, votou as ofertas dos cultos dos Quartos Domingos para Brasília. Várias Escolas Dominicais já fizeram ofertas generosas; sem uma propaganda intensiva, muitas estão seguindo a feliz sugestão do rev. Messias Amaral dos Santos na sua coluna, "Tenho em mãos", a de dar cada Escola Dominical metodista mil cruzeiros para o trabalho na Nova Capital. Mesmo o Conselho central, reunido no Rio de Janeiro dias 1 e 2 de julho, votou uma verba de quinhentos dólares, CR$ 35.000,00 para este trabalho.

Sentimo-nos contentes e, por que não dizer, orgulhosos por pertencer a uma Igreja que sabe unir suas forças desta maneira tão bela para a realização de um ideal.

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